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Desde quando iniciou seu tratamento contra um câncer de pâncreas, o jornalista Marcelo Rezende - que faleceu no último sábado (16), devido a uma falência múltipla dos órgãos - optou por seguir uma terapia alternativa à base da dieta cetogênica. A decisão do jornalista levantou a questão: será que o uso de métodos alternativos como tratamento para o câncer realmente é benéfico? Qual tipo de câncer poderia ser tratado dessa forma?
É difícil encontrar uma resposta para essas perguntas. Primeiramente porque existem mais de 200 tipos diferentes de câncer e a neoplasia pode se desenvolver em qualquer órgão do corpo e a partir de quase qualquer tipo de célula existente no organismo. Isso faz com que cada tumor possua sua própria assinatura genética e biomolecular, respondendo aos tratamentos de formas diferentes.
O jornalista Marcelo Rezende enfrentava, desde maio deste ano, um adenocarcinoma de pâncreas. De acordo com a oncologista clínica Renata Cangussu, do Núcleo de Oncologia da Bahia (NOB), Grupo Oncoclínicas, esse tumor é um tipo de neoplasia de comportamento extremamente agressivo.
O pâncreas é uma glândula do aparelho digestivo, localizada na parte superior do abdome e atrás do estômago. É responsável pela produção de enzimas, que atuam na digestão dos alimentos, e pela insulina - hormônio responsável pela diminuição do nível de glicose (açúcar) no sangue. É dividido em três partes: a cabeça (lado direito), o corpo (seção central) e a cauda (lado esquerdo). A maior parte do casos de câncer de pâncreas localiza-se na região da cabeça do órgão.
Em geral, os casos da doença são diagnosticados em fase avançada e, portanto, recebem tratamentos para fins paliativos. No caso do jornalista Marcelo Rezende, quando o tumor foi diagnosticado já havia irradiado para o fígado, ou seja, já estava com metástase em outro órgão. Segundo a oncologista Renata, quando essa neoplasia irradia, ou seja, ocorre a metástase, a evolução é ainda mais grave.
A especialista afirma que o tratamento mais efetivo a ser adotado para esses casos é a quimioterapia, que consiste na combinação de diferentes medicamentos a fim de impedir o crescimento do tumor. A quimioterapia atua no ciclo celular, destruindo e impedindo a multiplicação das células, reação que acontece de forma acelerada em tecidos tumorais. Infelizmente, essa medicação também impede a multiplicação das células de tecidos saudáveis, o que resulta nos efeitos colaterais.
Os efeitos colaterais podem incluir: náusea, vômitos, diarreia, mucosite (inflamação de mucosas), fadiga, plaquetopenia (queda de plaquetas) e neutropenia febril (queda da imunidade associada a febre). "Existem muitas estratégias mais recentes que conseguem reduzir os efeitos colaterais induzidos pela quimioterapia, tornando o tratamento tolerável", alerta Renata.
Uso da dieta cetogênica no tratamento contra o câncer
Na época em que foi diagnosticado com o câncer no pâncreas o jornalista Marcelo Rezende chegou a fazer uma sessão de quimioterapia. Mas logo em seguida anunciou que abandonaria o tratamento convencional para seguir a dieta cetogênica. Essa dieta propõe reduzir bruscamente a quantidade de carboidratos consumidos, aumentar o consumo de gorduras e elevar um pouco a ingestão de proteínas.
A dieta cetogênica costuma ser composta por 10 a 15% de carboidratos, 50% de gorduras e 30% de proteínas. Os carboidratos simples, aqueles de fácil absorção, o que inclui arroz branco, pão branco, massas e açúcar, estão proibidos.
O método foi muito bem estudado como tratamento coadjuvante no controle de crises convulsivas em crianças com epilepsia. Por volta de 1990 começou a ser mais estudada com o enfoque em pacientes com câncer, explica Renata.
"Os carboidratos simples e açúcares podem servir de 'alimento' para as células cancerígenas. Sendo assim, o uso da dieta cetogênica, por reduzir drasticamente o consumo de carboidratos, seria capaz de interferir no processo inflamatório celular. Isso poderia diminuir as chances de o tumor crescer", explica Renata.
Ausência de evidências de que a dieta cetogênica funcione contra o câncer
No entanto, estudos que comprovem que a dieta cetogênica funcione contra o câncer em humanos ainda são muito restritos. "A maioria deles foram estudos em pacientes com tumores de sistema nervoso central e apenas descrições de relatos de casos", alerta Renata.
Para se confirmar essa hipótese, é necessária a condução de um grande estudo comparando uma população que fez a dieta cetogênica com uma que não tenha feito e acompanhar durante vários anos para se ter a real noção do impacto dessa prática (estudos randomizados).
"Mesmo que se confirme o potencial anti-câncer dessa estratégia, ela deverá ser incorporada como coadjuvante ao tratamento padrão, jamais substituindo-o", ressalta a especialista.
Além disso, como explicado anteriormente, o câncer é uma doença com muitas variáveis. Sendo assim, Renata acredita que dificilmente um tipo de alimento, vitamina ou dieta específica seria capaz de curar o paciente.
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Riscos de abandonar o tratamento
A oncologista do Centro Paulista de Oncologia é taxativa ao dizer que a terapia proposta pelos médicos é baseada em evidências científicas. ?Alguns tratamentos, mesmo com efeitos colaterais, ainda são capazes de oferecer uma melhor qualidade de vida ao paciente do que não fazer tratamento nenhum?, alerta.
Recentemente um estudo publicado Journal of National Cancer Institute demonstrou que pacientes que fizeram a opção de abandonar o tratamento convencional para se submeter exclusivamente ao tratamento alternativo tiveram um risco de morte duas vezes maior.
A quimioterapia para o câncer avançado tem o intuito de controlar sintomas da doença, aumentar o tempo de sobrevida e o bem-estar do paciente. Deixar de fazer o tratamento indicado poderá impactar diretamente nesses fatores.
É importante dizer que o paciente tem o direito de optar por outras formas de tratamento e deve ser respeitado em sua decisão, mas é papel do médico tentar oferecer o que é cientificamente testado para que ele tenha uma vida mais confortável diante da doença.
Terapias alternativas x terapias integrativas
Passar por um tratamento oncológico não é fácil. Os efeitos colaterais gerados pelos medicamentos podem interferir tanto na saúde física quanto mental do paciente.
O tratamento integrativo visa incorporar técnicas complementares ao modelo tradicional, buscando minimizar a toxicidade da terapia e melhorar a qualidade de vida do paciente em tratamento oncológico. Esse conceito de integração dos tratamentos tem potencial de beneficiar o paciente oncológico.
As práticas integrativas são benéficas e, muitas vezes, indicadas pelos oncologistas. Tanto que no Sistema Único de Saúde (SUS) existe a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), na qual é possível realizar tratamento como arteterapia, meditação, musicoterapia, tratamento naturopático, tratamento osteopático, tratamento quiroprático e reiki.
A iniciativa do SUS teve início em 2006 e trouxe para a rede pública abordagens de cuidado integral à população por meio de recursos terapêuticos, entre eles fitoterapia, acupuntura, homeopatia, medicina antroposofica e termalismo.