É médico oncologista da Escola Paulista de Medicina. Possui especialização em Medicina Tradicional Chinesa, CJFH, Beijin...
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Os agrotóxicos surgiram como uma solução para matar insetos, larvas, carrapatos e fungos com a justificativa de controlar doenças provocadas por esses vetores e proteger a vegetação, o pasto e a plantação agrícola. No entanto, os pesticidas, fungicidas e herbicidas são prejudiciais para a saúde humana e, cada vez mais, têm se tornado um problema de saúde pública.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os agrotóxicos causam mais de 70 mil intoxicações agudas e crônicas por ano que evoluem para óbito. Outros mais de sete milhões de casos de doenças agudas e crônicas não fatais também são registrados anualmente.
Entre os principais riscos à saúde que o contato com agrotóxicos pode trazer estão: impotência, infertilidade, malformações, aborto, alterações no sistema imunológico e câncer. Isso é uma preocupação, principalmente, no Brasil, por ser um grande consumidor e produtor agrícola.
O uso de agrotóxicos no Brasil e a contaminação
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo desde 2008. Segundo relatório do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o país despeja mais de um milhão de toneladas de agrotóxicos nas lavouras por ano, o que corresponde, em média, a cinco quilos de veneno agrícola por pessoa.
Uma das principais formas de exposição ao agrotóxico é pelo trabalho (inalação, contato físico ou oral durante manipulação, aplicação ou preparo do aditivo químico), principalmente de trabalhadores de agricultura e pecuária, de sintetizadores, de transporte e comércio de agrotóxicos.
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A exposição também pode ocorrer através da pulverização no meio ambiente, pelo contato com roupas dos trabalhadores e pelo consumo de alimentos e água contaminados. Esse último fator é uma das principais preocupações no Brasil, já que estudos mostram que o nosso solo e água já estão contaminados.
Um levantamento publicado pelo Repórter Brasil, a partir de informações do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), mostrou que 210 municípios brasileiros apresentaram uma mistura de 27 tipos de agrotóxicos na água consumida pela população no ano passado.
No mesmo ano, em 28 municípios, os testes de qualidade indicaram que os níveis de agrotóxicos estavam acima do limite considerado seguro pelo Ministério da Saúde.
Um outro estudo, publicado na revista científica Chemosphere neste ano, identificou 111 resíduos de pesticidas pertencentes a diferentes grupos químicos em 26 amostras de frutas e hortaliças consumidas e exportadas pelo Brasil. Segundo a investigação, 16 desses estavam acima do limite máximo de resíduos estabelecidos pela legislação local e internacional.
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Ainda de acordo com a pesquisa, os maiores valores de risco à saúde foram observados em São Paulo e em Santa Catarina, associados ao consumo de tomate e pimentão devido às altas concentrações de organofosforados, um tipo de pesticida. Além disso, 26 dos resíduos encontrados pelo estudo são considerados cancerígenos pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.
Outra pesquisa, publicada na revista científica Environment International, encontrou uma contaminação extensiva da água potável em 127 municípios do Paraná. A maioria deles apresentava níveis de agrotóxicos acima dos limites máximos atualmente permitidos - 97% deles apresentaram uma soma de todos os pesticidas em níveis acima dos limites preconizados pela União Europeia.
“Esses estudos trazem para nós uma certa preocupação, geram um alerta da forma como usamos estes agrotóxicos, da forma como regulamos esse uso e de como cuidamos dos nossos lençóis freáticos durante essa contaminação”, comentou Davi Liu, oncologista clínico que apresentou um painel sobre o tema durante o 10º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, que aconteceu em São Paulo em setembro deste ano.
“Essa contaminação não se resume somente à população rural, não é uma exposição ocupacional. Estamos falando de contaminação realmente do solo, das águas potáveis e dos centros urbanos”, completou o especialista.
Os riscos da contaminação por agrotóxicos
Mas o que toda essa contaminação pode acarretar para a saúde da população? Esse mesmo estudo, publicado na Environment International, estimou o número mínimo de casos de câncer atribuíveis à água potável contaminada com pesticidas. 80% deles se correlacionaram a dois tipos de agrotóxicos: o mancozebe-ETU e ao diuron.
Já uma pesquisa publicada no Environmental Science and Pollution Research analisou os casos de câncer de mama e sua relação com áreas contaminadas por agrotóxicos na região metropolitana da Baixada Santista, em São Paulo. O estudo confirmou a hipótese de que a contaminação do ambiente afeta a incidência e distribuição de câncer de mama nos municípios da região.
“As mulheres estão desenvolvendo câncer de mama mais jovens e de formas mais agressivas. Quando fazemos o teste genético e não encontramos herança familiar, certamente está relacionado à exposição ambiental”, diz Davi.
Para somar, um terceiro estudo obteve resultados que apoiam a hipótese de que a exposição a pesticidas durante a gravidez pode estar envolvida no risco de leucemia em crianças com menos de dois anos de idade. A pesquisa foi feita em 13 estados brasileiros durante 1999 e 2007 e foi publicada na Environmental Health Perspectives em 2013.
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As consequências da contaminação por pesticidas e herbicidas para a saúde não estão apenas relacionadas ao câncer.
“Começamos a ver que existe uma evidência cada vez mais robusta de consequências para a saúde mental, para a fertilidade, para o câncer infantil e, até mesmo, mudanças comportamentais, como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Esse conjunto de problemas de saúde está correlacionado a esse tipo de uso de agrotóxicos que está intrínseco à nossa sociedade”, afirma o oncologista.
O que pode ser feito para reduzir essa contaminação?
Na visão do oncologista, o uso de agrotóxicos no Brasil é muito permissivo e houve uma falha em utilizá-los de forma segura. “Para fazer uma comparação, o uso de um medicamento em gestante não é indicado até que se prove que ele é seguro para ela. No caso dos herbicidas e pesticidas, é preciso provar que ele gera danos à saúde para ele ser proibido, mas até que isso aconteça, seu uso é liberado”, explica.
Então, a única solução viável, no momento, para reduzir essa contaminação por agrotóxicos é cobrar por políticas públicas que regulamentem de forma eficaz o uso de agrotóxicos no Brasil a níveis realmente seguros.
Para comparar, o limite máximo estabelecido pela União Europeia para o uso de qualquer pesticida é de 0,1 µg/L (micrograma por litro) e a soma total de pesticidas na água não deve exceder 0,5 µg/L. No Brasil, o Ametrine, um tipo de pesticida, é permitido até 60 µg/L na água potável.
“Diante disso, a principal medida [protetiva] é a conscientização. A partir disso, é possível nos movimentarmos na direção de tentar encontrar as soluções que possam trazer uma melhor regulação do setor público e conscientização desse problema por parte de representantes em instâncias políticas e governamentais”, opina Davi.