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Conhece alguém que parece sempre lidar com otites, sinusites, pneumonias recorrentes ou infecções intestinais indesejáveis? Ou você recebeu muitas prescrições de antibióticos para o tratamento de infecções? Essas situações podem parecer simples, mas podem indicar algo mais complexo: podem ser que esses episódios sejam sinais de imunodeficiência1, ou que exijam uma investigação mais profunda por um médico.
As imunodeficiências, como o próprio nome sugere, são condições nas quais o sistema imunológico do corpo não funciona adequadamente, podendo ser características como primárias ou secundárias1,2.
As imunodeficiências secundárias são adquiridas e não têm uma base genética². “Incluem aquelas resultantes do uso de medicamentos imunossupressores, como corticoides e quimioterápicos contra o câncer, além de doenças crônicas que afetam o sistema imunológico, como o próprio câncer e doenças degenerativas”, explica o médico imunologista e alergista Dr. também é diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI).
Já as imunodeficiências primárias têm uma base genética e podem se manifestar tanto na infância quanto na vida adulta1.
"Essas condições são danos genéticos - não necessariamente hereditários - que afetam primariamente o sistema imunológico. Também são conhecidos como erros inatos da imunidade", esclarece o imunologista Dra. Ekaterini Goudouris, diretora científica da ASBAI.
Atualmente, existem 485 imunodeficiências documentadas3, formando uma ampla variedade de condições. “No Brasil, estima-se que haja um caso de imunodeficiência primária para cada 10 mil pessoas”, completa Condino.
Embora essas condições possam ter semelhanças entre si, os sinais e sintomas podem variar em intensidade e apresentação. "Alguns pacientes podem não apresentar sintomas ou apenas manifestar sintomas leves, enquanto outros podem apresentar formas graves da doença, como a imunodeficiência combinada grave (SCID), na qual os bebês podem falecer no primeiro ano de vida se não receberem um transplante de medula óssea a tempo", destaca Ekaterini.
Mas atenção: a medicina ressalta que não pode se confundir com imunodeficiências com imunidade baixa em decorrência de um estilo de vida pouco saudável, já que o sistema imunológico sofre interferência de muitas coisas, como sedentarismo (ou a prática de atividade física muito intensa), má alimentação, sono insuficiente ou até mesmo estresse persistente - e tudo isso aumenta a chance de infecções mais frequentes que não têm relação com alterações genéticas.
“As imunodeficiências primárias são doenças do sistema imunológico e não são transitórias como uma imunidade baixa por conta de um estilo de vida ruim”, pontua Ekaterini.
Atraso sem diagnóstico
É a partir da reprodução de doenças que começa a suspeita de que o sistema imunológico não está funcionando especificamente, e que a causa disso pode estar em nossos genes. Porém, até chegar ao médico que realmente investiga e faz o diagnóstico de uma imunodeficiência primária, há muito tempo perdido.
Se a dor for no ouvido, é natural que procure um otorrinolaringologista. Se o problema não for respiratório, é o pneumologista ou infectologista que acolhe as queixas. Se uma infecção é intestinal, é na porta do gastroenterologista que a pessoa vai bater.
Porém, na quarta infecção de ouvido do ano, na segunda pneumonia dentro de 12 meses ou quando até o chefe está torcendo o nariz porque o funcionário teve de ficar afastado do trabalho repetidamente por conta de infecções intestinais, é hora de procurar um médico imunologista1.
Você concorda com os sintomas? Se sim, procure um médico imunologista clínico para uma investigação mais aprofundada.
“O maior problema em relação ao diagnóstico de imunodeficiências é a educação médica. Por ser um assunto bastante específico, são poucos os médicos [de outras especialidades] que estão aptos para considerar os principais sinais e sintomas de imunodeficiência primária”, alerta o imunologista Condino. “Os exames laboratoriais mais comuns são de baixa complexidade, acessíveis e cobertos pela maioria dos convênios dentro do rol da ANS e até mesmo dentro do SUS”, explica o médico.
Portanto, além de atrasar o diagnóstico, é o desconhecimento dos sinais e sintomas das imunodeficiências que faz com que até 90% das pessoas não sejam transmitidas corretamente⁵.
“As infecções são a manifestação mais frequente desses erros inatos da imunidade”, explica Ekaterini. “Porém, há manifestações que não são infecciosas, mas sintomas de deficiência do sistema imunológico, como alergia grave, febre persistente ou recorrente (não relacionada a infecção), doenças autoimunes muito precoces ou difíceis de tratar e doenças malignas precoces ou recorrentes”, detalha um especialista. O risco de linfoma, por exemplo, é aumentado em pessoas com imunodeficiência⁶. Embora os sinais e sintomas surjam majoritariamente na infância, essa doença genética pode se manifestar apenas na vida adulta1.
“Um exemplo clássico são as formas de imunodeficiência comuns, que têm manifestação mais tardia. Existem suscetibilidades genéticas cujos genes vão se manifestar de forma mais tardia na vida”, explica Condino.
Desconfio que tenho imunodeficiência E agora?
O médico imunologista é o especialista indicado para diagnosticar e prescrever o melhor tratamento para cada caso de imunodeficiência1. A boa notícia é que há, sim, tratamento que permite ao portador dessas mutações genéticas viver uma vida normal.
“Uma vez instituído o tratamento, na maioria das vezes a pessoa segue uma rotina normal. Pode fazer exercício, pode engravidar e trabalhar normalmente. A exceção é quando são doenças muito graves, debilitantes e que afetam outros órgãos ou sistemas - aí sim há limitações”, explica o imunologista Dr. Antonio Condino Neto. Lembrando que, o atraso no diagnóstico também pode levar às sequelas decorrentes das complicações dos quadros infecciosos, dependendo do local onde ocorreu esta infecção.
O tratamento, explica Ekaterini, constitui-se basicamente em reposição de anticorpos, tratar as possíveis doenças autoimunes e, em casos mais avançados, fazer um transplante de medula óssea.
“Alguns pacientes precisarão de tudo isso, enquanto outros só farão uma prevenção com antibióticos”, explica. “Portanto, o tratamento pode envolver o uso de antibióticos, antifúngicos, transplante de medula e reposição de imunoglobulina - sendo que, como até 60% das imunodeficiências primárias estão relacionadas a um defeito na produção de anticorpos, o principal recurso é a terapia de reposição com imunoglobulina, que nada mais é do que um conjunto de anticorpos”.
Triagem neonatal ampliada pode salvar vidas
O popular teste do pezinho em recém-nascidos tem um papel fundamental na detecção precoce das imunodeficiências primárias. Porém, apenas a versão ampliada desse teste tem a capacidade de identificar essas doenças e, com isso, já fazer com que os médicos direcionem o tratamento do bebê. O atraso no diagnóstico também pode levar às sequelas decorrentes das complicações dos quadros infecciosos, dependendo do local onde ocorreu esta infecção⁷.
O imunologista Dr. Antonio Condino Neto explica que a implantação do teste ampliado está em andamento no Brasil, e hoje vale para a cidade de São Paulo, o estado de Minas Gerais e o Distrito Federal.
“É possível, por meio do teste do pezinho, fazer o teste dos TRECs e KRECs, que vão detectar imunodeficiência grave combinada, a agamaglobulinemia congênita e outras formas de imunodeficiência que desativam já um tratamento precoce. Essa é uma grande conquista da sociedade brasileira, e espero que essa ampliação da triagem neonatal se estenda rapidamente para outros estados do Brasil”, conclui.
O diagnóstico de imunodeficiências envolve uma avaliação clínica detalhada, histórico médico completo, exames laboratoriais especializados para avaliar o funcionamento do sistema imunológico e, em alguns casos, testes genéticos para identificação de mutações específicas. Triagens de oportunidade⁸ também estão sendo estudados para ampliar alertas laboratoriais a médicos não-especialistas e, assim, encurtar o caminho para o diagnóstico.
Estar ciente dos sinais de alerta e buscar orientação médica especializada são passos essenciais para o gerenciamento e melhoria da qualidade de vida das pessoas que convivem com essa condição.
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Referências
1. Imunodeficiências primárias (ou erros inatos da imunidade) para o não especialista. Ekaterini Simões Goudouris, Maria Luiza Oliva-Alonso; ASBAI-RJ; Nov/2023. Disponível em: https://asbai.org.br/imunodeficiencias-primarias-ou-erros-inatos-da-imunidade-para-nao-especialistas. Acessado em Junho/2024.
2. Tuano KS, Seth N, Chinen J. Secondary immunodeficiencies: An overview. Ann Allergy Asthma Immunol. 2021 Dec;127(6):617-626. doi: 10.1016/j.anai.2021.08.413. Epub 2021 Sep 3. PMID: 34481993.
3. Tangye SG, Al-Herz W, Bousfiha A et al. Erros Inatos de Imunidade Humana: Atualização de 2022 sobre a Classificação do Comitê de Especialistas da União Internacional de Sociedades Imunológicas. Jornal de Imunologia Clínica. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35748970/
4. Adaptado de:10 sinais de alerta erros inatos da imunidade. ASBAI, Dez/2023. Disponível em https://asbai.org.br/sinais-de-alerta-para-eii-passam-por-atualizacao. Acessado em Junho de 2024.
5. Entre 70% e 90% dos pacientes não sabem que têm Erros Inatos da Imunidade. Asbai. Disponível em: https://asbai.org.br/entre-70-e-90-dos pacientes-nao-sabem que-tem-erros-inatos-da-imunidade/
6. Chandra S, Kalashnikova T, Wright NAM et al. Primário Imunodeficiências e Malignidades Hematológicas: Uma Abordagem Diagnóstica. Fronteiras em Imunologia. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8971519/BRA-NA-0052
7. ATUALIZAÇÃO DO ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE CICLO 2019/2020. Rastreamento neonatal para imunodeficiência combinada grave (SCID) e agamaglobulinemia. Brasília/DF. Julho 2020. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/acesso-a-informacao/participacao-da-sociedade/consultas-publicas/cp81/procedimentos/re_113__trec_krec_scid.pdf. Acessado em Junho de 2024.
8. Jolles S, Borrell R, Zouwail S, Heaps A, Sharp H, Moody M, Selwood C, Williams P, Phillips C, Hood K, Holding S, El Shanawany T. Calculated globulin (CG) as a screening test for antibody deficiency.Clin Exp Immunol. 2014 Sep;177(3):671-8. doi: 10.1111/cei.12369. PMID: 24784320; PMCID: PMC4137851.
BRA-NA-0052. Material destinado ao público leigo. Aprovado em Junho de 2024.