
Dra. Leninha Wagner é PhD em neurociências, possui formação em neuropsicologia, é Doutora em psicologia, Mestre em psica...
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Jornalista com sete anos de experiência em redação na área de beleza, saúde e bem-estar. Expert em skincare e vivências da maternidade.
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Eles estão por toda parte da casa — em cima da geladeira, dentro do armário, no colo, no travesseiro e, às vezes, até no teclado do computador. Quem ama gatos geralmente não para em um bichinho só. Ter muitos desses animais pode parecer, para alguns, um gesto de amor e cuidado — e, muitas vezes, é exatamente esse o caso.
Mas, ao mesmo tempo, a psicologia busca entender o que pode estar por trás desse desejo (quase incontrolável) de acumular um grande número de gatos em casa. Afinal, quando a quantidade de pets ultrapassa o limite do convencional, será que estamos falando apenas de carinho ou também existem algumas questões emocionais envolvidas?
O MinhaVida entrevistou duas especialistas em psicologia para esclarecer esse assunto. Acompanhe!
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Ter muitos gatos pode ser um sinal de alerta para problemas emocionais?
Ter muitos gatos pode, sim, acender um sinal de alerta em algumas situações. Segundo a psicóloga Leninha Wagner, a relação com os animais precisa ser vista dentro do contexto de vida da pessoa. “Na psicologia, ter muitos gatos pode ter significados diferentes, dependendo da história emocional e das circunstâncias de vida de cada pessoa”, explica. Ou seja: não existe um número certo de gatos, mas sim o que essa convivência representa emocionalmente.
Algumas vezes, o comportamento reflete um vínculo saudável, uma forma de encontrar afeto, rotina e sentido na vida. “Gatos são animais independentes, silenciosos, afetuosos na medida do seu desejo — não exigem atenção constante, mas estão ali. Muitas vezes, eles representam exatamente o que falta em algumas relações humanas: vínculo sem opressão”, diz Leninha. Em outras palavras, há quem se conecte com os felinos por afinidade emocional, sem que isso indique qualquer problema.
Mas quando o número de gatos ultrapassa a capacidade de cuidado — comprometendo alimentação, higiene e bem-estar dos animais — pode estar em jogo algo mais sério. “Quando esse comportamento se torna excessivo, sem controle, com riscos à saúde dos animais e da pessoa, pode haver um quadro de acumulação compulsiva (hoarding)”, alerta Leninha. Esse tipo de transtorno, reconhecido pela psicologia, está associado a traumas, lutos não elaborados e tentativas inconscientes de preencher vazios afetivos profundos.
A psicóloga Rejane Sbrissa também ressalta que, nesses casos, o problema vai muito além do amor pelos bichos. “Ter muitos gatos pode significar um transtorno de acumulação de animais, dependendo da quantidade, ou somente ter um grande amor por felinos, ou ainda refletir uma pessoa que tem uma personalidade independente e tranquila”, afirma. Segundo ela, quando o bem-estar dos gatos é comprometido, estamos diante da chamada “síndrome de Noé” — um distúrbio associado à ansiedade, depressão, baixa autoestima e isolamento social. “Pessoas com essa síndrome acabam por prejudicar a saúde e segurança de si mesmas e dos animais. Normalmente têm um apego excessivo, vendo-os como extensão de si mesmas”, explica.
A linha tênue entre o amor por animais e um comportamento compulsivo
Amar animais é um ato muito bonito — e muita gente encontra nos gatos uma companhia reconfortante. Mas quando esse amor ultrapassa certos limites, pode deixar de ser saudável e virar um comportamento compulsivo. A diferença entre uma coisa e outra nem sempre é fácil de identificar, mas existe — e, segundo especialistas, ela está muito mais na qualidade da relação do que na quantidade de gatos em si.
“A linha entre o amor por animais e o comportamento compulsivo é justamente o cuidado com o bem-estar”, explica Rejane. “Os amantes de animais se preocupam com espaço, alimentação, higiene, com tudo que o bicho precisa. Já o acumulador começa a usar os gatos como tentativa de preencher seus vazios emocionais.” E o problema é que esse vazio, como ela diz, nunca será preenchido apenas com mais um gato — é algo que precisa de atenção psicológica e, muitas vezes, psiquiátrica. Quando essa dor interna não é tratada, o número de animais cresce sem controle, e o cuidado com eles (e consigo mesmo) deixa de ser prioridade.
A psicóloga Leninha complementa: “O amor por animais é saudável quando há cuidado responsável, higiene, limites e respeito pela vida dos bichos — e também pela própria vida. Mas a compulsão começa quando há perda de controle, sofrimento e dificuldade de enxergar a realidade”. Segundo ela, em alguns casos, o cérebro está apenas repetindo antigos padrões de vínculo disfuncionais, numa tentativa inconsciente de compensar traumas psíquicos.
Na linguagem da psicanálise, como explica Leninha, o amor se torna compulsão quando o animal deixa de ser um outro com quem se cria vínculo e passa a ser usado como “tampão” para o vazio interno. “Ter muitos gatos pode ser uma expressão de amor, cuidado e conexão afetiva — ou um sinal de que há feridas psíquicas profundas buscando cura em silêncios felinos”, afirma. Por isso, o mais importante não é contar quantos gatos a pessoa tem, mas observar como essa relação acontece.
E, acima de tudo, como lembra Leninha, é fundamental olhar para essas histórias com empatia: “Muitas vezes, o que parece exagerado à primeira vista pode ser, na verdade, o único espaço onde alguém ainda sente amor — e isso merece ser escutado com humanidade, não com julgamento”.
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