
Jornalista com sete anos de experiência em redação na área de beleza, saúde e bem-estar. Expert em skincare e vivências da maternidade.
i
Após seu triunfo na Gália, Júlio César cruzou o rio Rubicão, a fronteira entre a Gália Cisalpina e a Itália, proclamando: "Alea iacta est" (a sorte está lançada). Ele sabia o que significava atravessá-lo naquela época e, ao fazê-lo, tomou o poder pela força. Relatou esse feito em seus Comentários sobre a Guerra da Gália, mas o fez como se tivesse sido realizado por outra pessoa. Ele não disse “eu”, mas sim “César”. O grande Caio Júlio César praticava o que hoje é conhecido como ileísmo.
Leia mais: Pessoas mentalmente fortes seguem estes cinco hábitos. Os espartanos já faziam isso há 2500 anos
O que é ileísmo?
Ileísmo é a prática de falar sobre si mesmo na terceira pessoa, em vez da primeira. Em vez de dizer “Estou com sono”, diríamos “Anabel está com sono”. Não se trata de vaidade ou excentricidade, mas de uma estratégia mental que psicólogos atualmente recomendam como forma de pensar com mais clareza, liderar com mais equilíbrio e gerenciar melhor as emoções — tudo isso por meio do nosso diálogo interno.
Falar sobre nós mesmos usando o próprio nome ou “ele/ela” em vez de “eu” torna-se uma ferramenta. Uma maneira de criar distância emocional, autoridade — ou ambos. No caso de Júlio César, ele escreveu passagens como “César ordenou que suas legiões avançassem” ou “César entendeu que a hora havia chegado”.
Como explicou a historiadora Mary Beard em seu livro SPQR, esse estilo o ajudava a parecer objetivo, como se outra pessoa estivesse narrando suas ações. Era uma forma sutil e eficaz de se apresentar como um líder sensato e inquestionável. O mais fascinante é que, dois milênios depois, a psicologia confirma esse efeito.
O efeito do ileísmo sobre a forma como pensamos
O que Júlio César intuía de forma instintiva hoje é comprovado pela ciência: falar de nós mesmos na terceira pessoa muda a maneira como pensamos. O chamado paradoxo de Salomão sugere que somos mais sábios (e racionais) ao dar conselhos aos outros do que a nós mesmos — e esse é, de certo modo, o efeito que atingimos quando nosso diálogo interno acontece na terceira pessoa.
Ethan Kross, professor de psicologia da Universidade de Michigan, investigou esse fenômeno em um de seus experimentos e descobriu que pessoas que falavam de si mesmas na terceira pessoa (por exemplo, “Maria está nervosa” em vez de “Eu estou nervosa”) lidavam melhor com o estresse e tomavam decisões mais equilibradas do que aquelas que não usavam essa estratégia. Segundo Kross, isso ocorre porque o ileísmo cria uma espécie de “distanciamento psicológico”, afastando-nos do turbilhão emocional e nos permitindo enxergar as situações com mais clareza.
Em seu livro Chatter: Why the Voice in Your Head Matters — and How to Use It to Your Advantage (Conversa: Por que a Voz na Sua Cabeça Importa — e Como Usá-la a Seu Favor), Kross afirma:
“Quando nossa conversa interna está intensa, ela nos priva dos recursos neurais necessários para focar, tomar distância e retomar o controle da nossa voz interior. No entanto, o diálogo interno distanciado evita esse dilema. Ele proporciona ótimos resultados com pouco esforço.”
Nosso cérebro entende que somos nós que damos o conselho, e não quem o recebe — embora, na prática, sejamos ambas as partes. Isso nos ajuda a escapar do redemoinho emocional. Manter esse tipo de discurso na terceira pessoa, como a atleta Simone Biles fazia antes de competições, também é uma maneira de dar mais intenção e direção ao pensamento.
Por que funciona tão bem?
Outros estudos também mostram que o uso frequente do ileísmo pode trazer benefícios duradouros para a forma como pensamos. Além de criar distância emocional, essa prática influencia a maneira como usamos a linguagem para refletir. A forma como falamos sobre nós mesmos molda nossa percepção do mundo. Ela nos transforma em nossos próprios narradores — e essa narração tem poder.
Dizer “Eu não consigo lidar com isso” não é o mesmo que dizer “Anabel está passando por algo difícil, mas ela consegue lidar com isso”. Soa diferente — e nosso cérebro também sente isso de forma diferente.
Leia também: Quer que seu relacionamento funcione? Evite essas frases que parecem inofensivas, mas são altamente tóxicas